segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Coisa de biólogo

MOACYR SCLIAR

Fantasias

Tão logo entrou na jaula, viu que a coisa funcionava. Os pandas acolheram-no com um carinho comovente

Cientistas se fantasiam para ajudar pandas. Para os pesquisadores do Centro de Conservação e Pesquisa do Panda Gigante, na China, vale tudo para proteger a espécie, inclusive usar uma pesada fantasia peluda. Embora essas fantasias não sejam muito convincentes, os biólogos do centro apostam em sua eficácia. Segundo eles, a figura humana assusta os animais, que tendem a fugir, o que precisa ser evitado, pois é uma ameaça à sua sobrevivência. Estima-se que menos de 1.600 pandas gigantes ainda vivam na natureza. Cerca de 280 estão em zoológicos espalhados pelo mundo.
Folha.com

QUANDO O DIRETOR do Centro de Conservação e Pesquisa do Panda Gigante lhe anunciou que, para ter contato com os animais, ele deveria usar uma fantasia de panda, o zoólogo reagiu com indignação. Fantasia de panda, que palhaçada era aquela? Afinal, ele era um cientista, não um artista de circo. Mas os argumentos do chefe e dos colegas acabaram por convencê-lo. As pesquisas mostravam que os pandas aceitavam melhor os humanos fantasiados. E, animais raros, eles precisavam de cuidados.
Fantasiou-se, pois, e, tão logo entrou na jaula, viu que, de fato, a coisa funcionava. Os pandas acolheram-no com um carinho comovente.
Para um homem solitário, sem família e sem amigos, aquela era uma experiência nova e surpreendente.
Agora era ele quem queria fantasiar-se e passar horas entre os simpáticos animais. Encontrava ali o afeto que sempre lhe faltara. Gostava de todos os pandas: dos filhotes, naturalmente, a coisa mais engraçadinha; e dos pandas adultos, que lhe pareciam extraordinariamente bem-humorados.
Mas havia ali um motivo de perturbação. Era uma fêmea, ainda jovem, que a ele parecia belíssima. As características manchas negras em torno aos olhos davam à essa panda uma face sedutora, lembrando aquelas atrizes dos anos 30 e 40.
Quando ele a via, seu pulso se acelerava. E então constatou: estava apaixonado. A fantasia que usava já não era um truque; ele de fato se sentia um panda, e queria viver com uma fêmea panda.
Problema: ela já estava comprometida. Tinha um companheiro, um robusto urso que era obviamente ciumento. Suas chances de conquistá-la eram zero. Quando se deu conta disso, caiu numa profunda depressão. Era a primeira vez que se apaixonava, e essa paixão resultava num fracasso.
Com o coração partido, pediu ao diretor que o transferisse para um outro centro de pesquisas que trabalha exclusivamente com sapos. Ali não viverá outro caso de amor impossível: ninguém vai lhe pedir que se disfarce de batráquio.
Mas há duas coisas que o inquietam. Primeiro: a todo instante ele lembra a história do príncipe que virou sapo. Segundo: a certa altura, de uns tempos para cá, começou a coaxar como sapo. E, para um principiante, até que não se sai mal.

MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.
moacyr.scliar@uol.com.br

Um comentário:

  1. Há horas em que não basta apenas a máscara, mas, sim, vestir a fantasia inteira...

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