terça-feira, 7 de setembro de 2010

Independência ou Morte!


Estou com um grito entalado na garganta, seguro por um tênue fio, pronto pra arrebentar.
Não toco no assunto pra não correr o risco.
Falta pouco! Mas também falta força!
Tem energia sendo desviada e me esgotando.
Com um pouco mais de coragem, faria como meu amigo Pedro...

Enquanto isso, vamos de Drummond e? Moacyr Scliar...

Poema de sete faces
Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.



O que é, mesmo, independência?
Moacyr Scliar

Às margens do Ipiranga, todos gritaram vivas e partiram; o carreteiro ficou intrigado com aquela cena


AQUELE 7 DE SETEMBRO foi, para o carreteiro que aparece na famosa tela do Pedro Américo, um dia de trabalho duro. Foi com enorme esforço que conseguiu acomodar na carreta as enormes e pesadas toras que tinha de transportar; levou horas fazendo isso.
Exausto, com dor nas costas, tudo o que queria era entregar as malditas toras, voltar para sua humilde choupana, comer alguma coisa e dormir. No caminho, porém, a surpresa; de repente, deu com um grande grupo de cavaleiros parados no alto da colina.
Não era da região, aquela gente; o carreteiro não conhecia nenhum deles. Estavam muito bem vestidos e montavam garbosos cavalos, os cavalos que o carreteiro sempre sonhara atrelar à sua carreta no lugar dos vagarosos bois.
Aquele que parecia ser o chefe estava lendo alguma coisa, uma carta, talvez, e que, pelo visto, acabara de lhe ser entregue. Ao terminar, resmungou algo, puxou a espada e gritou: "Independência ou morte!". Entusiasmados, todos gritaram vivas e arrojaram para o ar seus chapéus. Depois partiram a galope.
O carreteiro fez a entrega das toras e seguiu para casa, ainda intrigado com a cena que tinha visto.
A mulher esperava-o. Solícita como sempre, e obediente à rotina, perguntou ao marido como havia sido o seu dia.
Normalmente ele rosnaria uma resposta qualquer; mas, por alguma razão, resolveu contar o que tinha visto às margens do Ipiranga: "Era gente fina, todo o mundo a cavalo. Veio um mensageiro e entregou para o chefe deles uma carta. O homem leu, fechou a cara, depois puxou a espada e gritou: "Independência ou Morte'".
Que coisa, murmurou a mulher, impressionada:
- "Independência ou morte". Você tem ideia do que ele quis dizer com isso?
O carreteiro dá de ombros:
- Nenhuma ideia.
E olhou-a, irritado:
- Escuta, mulher, quem sabe você para com essa conversa fiada e me dá alguma coisa para comer? Você é idiota mesmo, não vê que estou morrendo de fome?
Ela foi para a cozinha, preparar um prato de arroz com feijão. Mas aquela coisa de "Independência ou morte" não lhe saía da cabeça. Suspirou: um dia descobriria o significado dessas palavras. E quem sabe, então, sua vida mudaria.

moacyr.scliar@uol.com.br

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